Conviver com os familiares dos pacientes internados na UTI Humanizada é uma realidade vivenciada pelos profissionais que trabalham no Hospital SOS Cárdio. A instituição foi pioneira nessa iniciativa em Santa Catarina. Depois de um ano de “portas abertas”, consolidamos os benefícios dessa aproximação. Atualmente, os familiares são muito bem-vindos no nosso ambiente de trabalho.
Por muito tempo, a UTI foi sinônimo de repouso no leito e isolamento familiar. O paciente ficava parado e longe da família esperando se recuperar da doença que o levou até lá. Hoje, sabemos que para a recuperação ser efetiva e rápida, precisamos exatamente do contrário. É nesse ponto que ter as famílias ao lado do paciente faz toda a diferença.
Os pacientes que estão na UTI ficam conectados a uma série de dispositivos, como acessos, drenos, sondas, fios e aparelhos. Além disso, recebem uma grande quantidade de medicamentos. Apesar de necessários para o tratamento naquele momento, contribuem para aumentar a restrição no leito e o medo de se movimentar.
Fisioterapia e Movimento
Ficar parado muito tempo provoca uma série de riscos e complicações para os pacientes. Entre elas, podemos citar: fraqueza muscular, rigidez articular, alteração de equilíbrio, alterações hemodinâmicas, redução da circulação sanguínea (que aumenta o risco para trombose venosa), complicações respiratórias pelo acúmulo de secreção e delirium. Essas alterações já estão bem consolidadas na literatura e nós, que trabalhamos diariamente com esses pacientes, presenciamos na prática.
O papel da Fisioterapia na UTI é reduzir as complicações que a imobilidade provoca, usando como principal recurso o movimento. Estimular os pacientes através de exercícios físicos, saída do leito, ficar em pé treinando equilíbrio, sentar e levantar da cadeira, caminhar e respirar fundo é o que o fisioterapeuta faz para contribuir que o paciente saia precocemente da UTI com funcionalidade e independência.
Suporte do Familiar na UTI
Quem já viveu a experiência ou acompanhou algum parente internado numa UTI por algum tempo sabe que, muitas vezes, segurar um copo de água ou ficar em pé se tornam um grande desafio. A sensação de fraqueza, a tontura e o cansaço geram muita insegurança. Criam uma barreira ao movimento, até para o simples fato de sair da cama e sentar na cadeira. Aumentam também o risco de queda. É nesse momento que as famílias se tornaram o maior aliado do fisioterapeuta. O familiar está presente, ao lado do paciente, no momento em que ele precisa vencer esse desafio.
O maior risco que a Fisioterapia enfrenta ao retirar o paciente do leito e fazer as primeiras caminhadas é o risco da queda. Esse risco é reduzido pela presença do acompanhante. Ele auxilia com o apoio do braço ou que leva uma cadeira para que o paciente sente quando estiver cansado.
Para os pacientes mais debilitados, ficar em pé pela primeira vez exige a presença de duas pessoas que o apoiem bilateralmente. Antes de termos as famílias presentes, precisávamos de, no mínimo, dois profissionais disponíveis ao mesmo tempo. As caminhadas com esses pacientes ocorriam, mas eram menos frequentes. Hoje, a presença do familiar nos auxilia nesse processo, pois ele participa, possibilitando que o paciente caminhe mais cedo, mais vezes e com mais segurança.
O benefício de ter um familiar presente não fica só no auxílio da retomada dos movimentos. Ele vem também depois que o profissional encerra a sessão e sai do box da UTI. Algumas alterações, como tontura, náuseas, mal estar e queda de pressão nem sempre acontecem durante os exercícios. Por vezes, ocorrem momentos depois, quando o paciente já está descansando. A presença do familiar auxilia também na percepção dessas ocorrências e no acionamento da equipe para avaliar a situação.
Conforto e Segurança
Outra situação comum na UTI e que causa angústia é o uso da ventilação não invasiva (VNI). A VNI é necessária quando o paciente apresenta dificuldade para respirar sozinho. Consiste na colocação de uma máscara fechada no rosto paciente. Através dessa máscara, podemos oferecer maiores pressões de ar e suporte de oxigênio, facilitando a respiração. Antes, muitos pacientes tinham dificuldade de aceitar essa terapia. Sentiam medo de ficar sozinhos e com dificuldade de chamar por ajuda, caso precisassem. Agora, eles tem a mão do familiar para segurar. O conforto e a segurança que isso gera são enormes. Beneficiam tanto o paciente, que sente a companhia e aceita o uso, quanto o familiar, que entende os motivos da indicação e fica menos ansioso. Representa segurança até mesmo para os profissionais, que novamente sabem que tem alguém ao lado do paciente capaz de avisar caso algo fora do previsto aconteça.
Também vale destacar como a presença das famílias contribui para amenizar a desorientação ou delirium, que é outro fato comum nas UTIs, especialmente nos pacientes mais idosos. Estar num ambiente diferente e pouco acolhedor, rodeado por aparelhos que emitem sons de alarmes por vezes irritantes, sendo cuidado por pessoas desconhecidas, associado às alterações da própria doença e dos medicamentos, provoca uma certa confusão mental. Em razão disso, muitos perdem temporariamente a noção do tempo e do espaço, até mesmo misturando fantasia e realidade. Nesse contexto, ter alguém conhecido para conversar com o paciente, explicar o que aconteceu, oferecer conforto, estimular e falar sobre pessoas e situações que representam a sua realidade fora do hospital, reduz muito os casos de delirium.
O familiar também é um grande parceiro quando participa e observa os exercícios que são realizados durante o atendimento e segue estimulando o paciente durante o dia. Assim, os movimentos não ficam limitados aos encontros com o fisioterapeuta.
Enfim, o que parecia uma barreira, se tornou uma grande vantagem na prática. Hoje, nossos pacientes são muito mais ativos e os exercícios são realizados com mais segurança. Como consequência, temos menos complicações. Estamos reduzindo o isolamento e tornando nosso ambiente de trabalho mais transparente, o que é bom para todos.
*Voldiana L. Pozzebon Schneider (CREFITO 80155/F) é Fisioterapeuta graduada pela Universidade Estadual de Santa Catarina, especialista em Terapia Intensiva pela ASSOBRAFIR, Pós-graduada em Geriatria e Gerontologia pelo CBES e sócia da Fisiocárdio, empresa responsável pelo serviço de Fisioterapia do Hospital SOS Cárdio.